Não
sou muito de postar no Blog sobre Lendas de Orixás, mas esse
texto nos trás uma mensagem muito importante para a seara da Umbanda.
Muita Paz e Luz!
Foi,
não há muito tempo atrás, que essa história aconteceu. Contada aqui de
uma forma romanceada, mas que trás em sua essência, uma verdadeira
mensagem para os umbandistas…
Ela
começa em uma noite escura e assustadora, daquelas de arrepiar os pelos
do corpo. Realmente o Sol tinha se escondido nesse dia, e a Lua,
tímida, teimava em não iluminar com seus encantadores raios, brilhosos
como fios de prata, a morada dos Orixás.
Nessa
estranha noite, Ogum, o Orixá das “guerras”, saiu do alto ponto onde
guarda todos os caminhos e dirigiu se ao mar. Lá chegando, as sereias
começaram a cantar e os seres aquáticos agitaram se. Todos adoravam
Ogum, ele era tão forte e corajoso.
Iemanjá que tem nele um filho querido, logo abriu um sorriso, aqueles de
mãe “coruja” quando revê um filho que há tempos partiu de sua casa, mas
nunca de sua eterna morada dentro do coração:
-
Ah Ogum, que saudade, já faz tanto tempo! Você podia vir visitar mais
vezes sua mãe, não é mesmo? _ ralhou Iemanjá, com aquele tom típico de
contrariedade.
- Desculpe, sabe, ando meio ocupado_ Respondeu um triste Ogum.
- Mas, o que aconteceu? Sinto que estás triste.
-
É, vim até aqui para “desabafar” com você “mãeinha”. Estou cansado!
Estou cansado de muitas coisas que os encarnados fazem em meu nome.
Estou cansado com o que eles fazem com a “espada da Lei” que julgam
carregar. Estou cansado de tanta demanda. Estou muito mais cansado das
“supostas” demandas, que apenas existem dentro do íntimo de cada um
deles… Estou cansado…
Ogum
retirou seu elmo, e por de trás de seu bonito capacete, um rosto belo e
de traços fortes pôde ser visto. Ele chorava. Chorava uma dor que
carregava há tempos. Chorava por ser tão mal compreendido pelos filhos
de Umbanda.
Chorava
por ninguém entender, que se ele era daquele jeito, protetor e austero,
era porque em seu peito a chama da compaixão brilhava. E, se existe um
Orixá leal, fiel e companheiro, esse Orixá é Ogum. Ele daria a própria
Vida, por cada pessoa da humanidade, não apenas pelos filhos de fé. Não!
Ogum amava a humanidade, amava a Vida.
Mas
infelizmente suas atribuições não eram realmente entendidas. As pessoas
não viam em sua espada, a força que corta as trevas do ego, e logo a
transformavam em um instrumento de guerra. Não vinham nele a potência e a
força de vencer os abismos profundos, que criam verdadeiros vales de
trevas na alma de todos. Não vinham em sua lança, a direção que aponta
para o autoconhecimento, para iluminação interna e eterna.
Não!
Infelizmente ele era entendido como o “Orixá da Guerra”, um homem
impiedoso que utiliza se de sua espada para resolver qualquer
situação. E logo, inspirados por isso, lá iam os filhos de fé esquecer
dos trabalhos de assistência a espíritos sofredores, a almas perdidas
entre mundos, aos trabalhos de cura, esqueciam do amor e da compaixão,
sentimentos básicos em qualquer trabalho espiritual, para apenas
realizaram “quebras e cortes” de demandas, muitas das quais nem mesmo
existem, ou quando existem, muitas vezes são apenas reflexos do próprio
estado de espírito de cada um. E mais, normalmente, tudo isso torna se
uma guerra de vaidade, um show “pirotécnico” de forças ocultas. Muita
“espada”, muito “tridente”, muitas “armas”, pouco coração, pensamento
elevado e crescimento espiritual.
Isso magoava Ogum. Como magoava:
-
Ah, filhos de Umbanda, por que vocês esquecem que a Umbanda é pura e
simplesmente amor e caridade? A minha espada sempre protege o justo, o
correto, aquele que trabalha pela luz, fiando seu coração em Olorum. Por
que esquecem que a Espada da Lei só pode ser manuseada pela mão direita
do amor, insistindo em empunhá la com a mão esquerda da soberbia, do
poder transitório, da ira, da ilusão, transformandona em apenas mais
uma espada semeadora de tormentos e destruição…
Então,
Ogum começou a retirar sua armadura, que representava a proteção e
firmeza no caminho espiritual que esse Orixá traz para nossa vida. E
totalmente nu ficou frente à Iemanjá. Cravou sua espada no solo. Não
queria mais lutar, não daquele jeito. Estava cansado…
Logo
um estrondo foi ouvido e o querido, mas também temido Tatá Omulu
apareceu. E por incrível que pareça o mesmo aconteceu. Ele não agüentava
mais ser visto como uma divindade da peste e da magia negativa. Não
entendia, como ele, o guardião da Vida podia ser invocado para atentar
contra Ela. Magoava – se por sua alfange da morte, que é o princípio que
a tudo destrói, para que então a mudança e a renovação aconteçam, ser
tão temida e mal compreendida pelos homens.
Ele
também deixou sua alfange aos pés de Iemanjá, e retirou seu manto
escuro como a noite. Logo via se o mais lindo dos Orixás, aquele que
usa uma cobertura para não cegar os seus filhos com a imensa luz de amor
e paz que irradia – se de todo seu ser. A luz que cura, a luz que
pacifica, aquela que recolhe todas as almas que perderam se na senda
do Criador. Infelizmente os filhos de fé esquecem disso…
Mas
o mais incrível estava por acontecer. Uma tempestade começou a desabar
aumentando ainda mais o aspecto incrível e tenebroso daquela estranha
noite. E todos os outros Orixás começaram a aparecer, para logo,
começarem também a despir suas vestimentas sagradas, além de deixarem ao
pé de Iemanjá suas armas e ferramentas simbólicas.
Faziam
isso em respeito a Ogum e Omulu, dois Orixás muito mal compreendidos
pelos umbandistas. Faziam isso por si próprios. Iansã queria que as
pessoas entendessem que seus ventos sagrados são o sopro de Olorum, que
espalha as sementes de luz do seu amor. Oxossi queria ser reverenciado
como aquele que, com flechas douradas de conhecimento, rasga as trevas
da ignorância. Egunitá apagou seu fogo encantador, afinal, ninguém
lembrava da chama que intensifica a fé e a espiritualidade. Apenas
daquele que devora e destrói. Os vícios dos outros, é claro.
Um a um, todos foram despindo se e pensando quanto os filhos de Umbanda compreendiam erroneamente os Orixás.
Iemanjá,
totalmente surpresa e sem reação, não sabia o que fazer. Foi quando uma
irônica gargalhada cortou o ambiente. Era Exu. O controvertido Orixá
das encruzilhadas, o mensageiro, o guardião, também chegava para a
reunião, acompanhado de Pomba Gira, sua companheira eterna de jornada.
Mas
os dois estavam muito diferentes de como normalmente apresentam se.
Andavam curvados, como que segurando um grande peso nas costas. Tinham
na face, a expressão do cansaço. Mas, mesmo assim, gargalhavam muito.
Eles nunca perdiam o senso de humor!
E
os dois também repetiram aquilo que todos os Orixás foram fazer na casa
de Iemanjá. Despiram se de tudo. Exu e Pomba Gira, sem dúvida, eram
os que mais razões tinham de ali estarem. Inúmeros eram os absurdos
cometidos por encarnados em nome deles. Sem contar o preconceito, que o
próprio umbandista ajudou a criar, dentro da sociedade, associando o a
figura do Diabo:
-
Hahaha, lamentável essa situação, hahaha, lamentável! Exu chorava,
mas Exu continuava a sorrir. Essa era a natureza desse querido Orixá.
Iemanjá
estava desesperada! Estavam todos lá, pedindo a ela um conforto. Mas
nem mesmo a encantadora Rainha do Mar sabia o que fazer:
- Espere!_ pensou Iemanjá!_ Oxalá, Oxalá não está aqui! Ele com certeza saberá como resolver essa situação.
E
logo Iemanjá colocou se em oração, pedindo a presença daquele que é o
Rei entre os Orixás. Oxalá apresentou – se na frente de todos. Trazia
seu opaxorô, o cajado que sustenta o mundo. Cravou ele na Terra, ao lado
da espada de Ogum. Também despiu – se de sua roupa sagrada, pra igualar se a todos, e sua voz ecoou pelos quatro cantos do Orun:
-
Olorum manda uma mensagem a todos vocês meus irmãos queridos! Ele diz
para que não desanimem, pois, se poucos realmente os compreendem,
aqueles que assim o fazem, não medem esforços para disseminar essas
verdades divinas. Fechem os olhos e vejam, que mesmo com muita tolice e
bobagem relacionada e feita em nossos nomes, muita luz e amor também
está sendo semeado, regado e colhido, por mãos de sérios e puros
trabalhadores nesse às vezes triste, mas abençoado planeta Terra. Esses
verdadeiros filhos de fé que lutam por uma Umbanda séria, sem os
absurdos que por aí acontecem. Esses que muito além de “apenas”
prestarem o socorro espiritual, plantam as sementes do amor dentro do
coração de milhares de pessoas. Esses que passam por cima das
dificuldades materiais, e das pressões espirituais, realizando um
trabalho magnífico, atendendo milhares na matéria, mas também, milhões
no astral, construindo verdadeiras “bases de luz” na crosta, onde a
espiritualidade e religiosidade verdadeira irão manifestar-se. Esses que
realmente nos compreendem e buscam nos dentro do coração espiritual,
pois é lá que o verdadeiro Orun reside e existe. Esses incríveis filhos
de umbanda, que não colocam as responsabilidades da vida deles em nossas
costas, mas sim, entendem que tudo depende exclusivamente deles mesmos.
Esses fantásticos trabalhadores anônimos, soltos pelo Brasil, que
honram e enchem a Umbanda de alegria, fazendo a filhinha mais nova de
Olorum brilhar e sorrir…
Quando
Oxalá calou–se os Orixás estavam mudados. Todos eles tinham suas
esperanças recuperadas, realmente viram que se poucos os compreendiam,
grande era o trabalho que estava sendo realizado, e talvez, daqui algum
tempo, muitos outros juntariam–se nesse ideal. E aquilo alegrou – os
tanto que todos começaram a assumir suas verdadeiras formas, que são de
luzes fulgurantes e indescritíveis. E lá, do plano celeste, brilharam e
derramaram–se em amor e compaixão pela humanidade.
Em
Aruanda, os Caboclos, Pretos Velhos e Crianças, o mesmo fizeram.
Largaram tudo, também despiram–se e manifestaram sua essência de luz,
sua humildade e sabedoria comungando a benção dos Orixás.
Na
Terra, Baianos, Marinheiros, Boiadeiros, Ciganos e todos os povos de
Umbanda, sorriam. Aquelas luzes que vinham lá do alto os saudavam e
abençoavam seus abnegados e difíceis trabalhos. Uma alegria e bem
aventurança incríveis invadiram seus corações. Largaram as armas. Apenas
sorriam e abraçavam–se. O alto os abençoava…
Mas,
uma ação dos Orixás nunca fica limitada, pois é divina, alcançando
assim, a tudo e a todos. E lá no baixo astral, aqueles guardiões e
guardiãs da lei nas trevas também foram alcançados pelas luzes Deles, os
Senhores do Alto. Largaram as armas, as capas, e lavaram suas sofridas
almas com aquele banho de luz. Lavaram seus corações, magoados por tanta
tolice dita e cometida em nome deles. Exus e Pomba Giras, naquele dia
foram tocados pelo amor dos Orixás, e com certeza, aquilo daria força
para mais muitos milênios de lutas insaciáveis pela Luz.
Miríades
de espíritos foram retirados do baixo astral, e pela vibração dos
Orixás puderam ser encaminhados novamente à senda que leva ao Criador. E
na matéria toda a humanidade foi abençoada. Aos tolos que pensam que
Orixás pertencem a uma única religião ou a um povo e tradição, um
alerta. Os Orixás amam a humanidade inteira, e por todos olham
carinhosamente.
Aquela noite que tinha tudo para ser uma das mais terríveis de todos os
tempos, tornou–se benção na vida de todos. Do alto ao embaixo, da
esquerda até a direita, as egrégoras de paz e luz deram as mãos e
comungaram daquele presente celeste, vindo diretamente do Orun, a morada
celestial dos Orixás.
Vocês,
filhos de Umbanda, pensem bem! Não transformem a Umbanda em um campo de
guerra, onde os Orixás são vistos como “armas” para vocês acertarem
suas contas terrenas. Muito menos esqueçam do amor e compaixão, chaves
de acesso ao mistério de qualquer um deles. Umbanda é simples, é puro
sentimento, alegria e razão. Lembrem-se disso.
E
quanto a todos aqueles, que lutam por uma Umbanda séria, esclarecida e
verdadeira, independente da linha seguida, lembrem – se das palavras de
Oxalá ditas linhas acima.
Não desanimem com aqueles que vos criticam, não fraquejem por aqueles
que não tem olhos para ver o brilho da verdadeira espiritualidade.
Lembrem se que vocês também inspiram e enchem os Orixás de alegria e
esperança. A todos, que lutam pela Umbanda nessa Terra de Orixás. Honrem-los. Sejam luz, assim como Eles!
Salve o Pai Oxalá
Por Rubio Nunes
O Texto “A Tristeza dos Orixás” é de autoria de Fernando Sepe escrito para o Jornal de Umbanda Sagrada.