Escutara nas conversas dos amigos que o
tal do preto velho era o máximo. Acertava tudo. Não deixava escapar nada. Tinha
a língua afiada. E assim a imaginação
fértil das pessoas atiçou mais ainda a sua curiosidade.
Chegaram
cedo ao templo, para pegar um bom lugar e receberam as primeiras fichas, que
eram distribuídas por ordem de chegada.
Porém para consultar
com o preto velho primeiro tinha que assistir à palestra. Depois começava a
chamada para os atendimentos.
- Ai que
chatice! Pensou ela. Sabe lá as
besteiras que vou ter que ouvir! Tomara que valha a pena. Só me falta ouvir um
monte de baboseira evangélica. Pior ainda se ficarem só falando de umbanda,
orixá, caboclo. Não entendo nada disso.
- E se
pedirem alguma coisa? Parece que eles pedem animais. Será que vou ter que
trazer um galo preto? Cruzes! E fez o sinal da cruz arrepiando-se toda.
- Se eu pudesse dar um jeito, mas não conheço ninguém aqui.
Enquanto seus pensamentos tomavam corpo e trocava ideias com a amiga,
não reparou que o salão ficou lotado, todas as cadeiras ocupadas, pessoas do
lado de fora. Não percebeu a música suave nem a atmosfera tranquila do lugar.
Só pensava em quando iriam começar os trabalhos da noite. Estava muito ansiosa,
quase não conseguia parar quieta.
Havia escutado que os “batuqueiros” se vestiam com roupas muito
estranhas, verdadeiras fantasias, cheios de penduricalhos, tocavam tambor,
cantavam, rodopiavam, fumavam charuto e bebiam cachaça. Já estava ficando
arrependida de ter ido até lá. O que será que ia acontecer? Que tipo de gente
era aquela?
- Ai
Jesus! Tô com vontade de ir embora.
Mas a causa que a levara até ali era tão importante que
mesmo com receio resolveu esperar. Ouviu a palestra que para sua surpresa foi
interessante. O tema abordado foi os peditórios aos amigos espirituais.
Interessante pensou. Tem gente que pede cada coisa.
Quando chegou sua vez entrou no abaçá tremendo, mal conseguia caminhar,
os joelhos não obedeciam. E a distância da assistência ao local onde estava pai
Ambrósio parecia imensa, quilométrica.
Surpreendeu-se ao
ver que os trabalhadores usavam roupas brancas simples, uma guia no pescoço,
pés descalços e nada mais. Bem diferente daquilo que ouvira. Ninguém na casa
falava alto e sempre se dirigiam as pessoas em tom fraterno e tranquilo. Sem
gritaria, sem estardalhaço. Ninguém ali bebia cachaça, não viu os médiuns
fumando charuto espalhafatosamente. Apenas galhos de arruda, de alecrim e malva
cheirosa, o que deixava um aroma reconfortante no ambiente.
- Como falam besteira, pensou. Surpresa com o que via. Tudo
é tão simples neste lugar. Nem parece casa de umbanda.
Mais surpresa ficou quando percebeu que seria atendida por
um médium maduro, mas que não era velho nem preto, entretanto estava curvado,
sentado em seu banquinho e cumprimentou-a com uma fala mansa e arrastada.
Sorridente. Simpático.
Mais confiante com
a acolhida relaxou. Depois que recebeu o passe sentiu-se mais calma e expôs a
pai Ambrósio a imensa preocupação, que de seus quinze anos ainda incompletos,
carregava em seu coração de menina-mulher.
Reconfortada pelo
preto velho, confidenciou que estava apaixonada, perdidamente apaixonada, por
um garoto dois anos mais velho que ela. E o grande drama de sua alma, de seu
momento existencial, era se podia “ficar”, namorar com o rapaz, sem que ele a
deixasse em seguida. Será que ele a faria sofrer abandonando-a depois de
“ficar”? Podia confiar nele? Tinha
futuro o namoro? Não queria ser descartada e sofrer uma grande desilusão
amorosa. Será que o moço queria compromisso sério ou diversão?
Pai Ambrósio com a
alma cheia de compaixão por aquela criança, despertando para a vida adulta e
com preocupações tão infantis, desprovidas de qualquer aquisição mais elevada,
carregada de sentimentos materialistas e apelo puramente sensual e físico,
aconselhou a garota a falar com seus pais e contar suas preocupações. A dividir
com a mãe suas angústias em relação ao momento de transição que estava vivendo,
de menina para mulher.
Perguntou a ela se conhecia a família do rapaz, como era o
comportamento dele em relação aos estudos, compromissos com a família, amizades
e divertimentos. Mas ela não o conhecia direito. Sabia muito pouco sobre ele,
na verdade, quase nada. Apenas se sentia atraída e não queria correr o risco de
ser passada para trás. Só isso. Os pais não tinham opinião a respeito.
Aconselhada a refletir melhor sobre a questão, ficou
levemente contrariada, porque queria que o preto velho desse a ela a certeza
absoluta se podia ou não encarar o namoro. Nada mais lhe interessava.
Assim se comporta a sociedade moderna. As pessoas buscam
sensações e prazeres materiais. Não existe preocupação com as consequências das
insanidades cometidas que podem afetar e prejudicar seriamente a própria vida e
a dos demais seres envolvidos nos enganos e promessas infelizes. Apenas gozo.
Apenas momentos de êxtase. A vida está resumida em banalidades, ações que
anestesiam os sentidos, que exaurem as energias causando estresse e
desequilíbrios de longo prazo como doenças e depressões que afetam a humanidade
atualmente. Enquanto o imediatismo, o consumo desregrado e a preocupação com o
corpo for à mola que move a sociedade, teremos pais despreparados e
indiferentes em relação aos problemas dos filhos, pela falta de diálogo e
interesse sobre os mesmos. A maioria dos pais não está preocupada em dar a seus
filhos orientação religiosa e espiritual segura. Noções de ética e moral. A
ensinar que liberdade pressupõe responsabilidade e que juntas geram
consequências, que se não forem bem administradas poderão apresentar resultados
desastrosos para o futuro.
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